segunda-feira, dezembro 20, 2010

Seis meses sem época

Acho que é tempo.

A face que era vista na água não é mais a mesma. O tempo correu como um rio bravo, principalmente nos últimos seis meses. Há tanto e tão pouco em tanta e tão pouca água que seguiu seu caminho. Difícil definir o tempo: uma face na água. Fora do ócio, um reflexo indistinguível; dentro, quase que um espelho. O bom de não se fazer nada é poder analisar a si mesmo. Mas se nada há a fazer, o que pode acontecer? Aquele que não se move, que é imutável, estático, não nada em seu próprio rio; não descobre o além da vida.
Às vezes, certos acontecimentos têm de se consumar - é o que parece. Você se pergunta o porquê, mas a felicidade de saber que aconteceu é resposta o bastante. Difícil é questionar imensa felicidade. Em seis meses: 180 dias (aproximadamente), ou 4320 horas (aproximadamente), ou 259200 minutos (aproximadamente) rostos surgiram em meio ao curso do meu rio. Rostos belos, por assim dizer. Belos não pela questão física - ainda que haja alguns que o são -, mas pela universal (É a melhor palavra, pois toda pessoa, sem exceção, é um universo.). Ter a possibilidade de conhecer o próximo e descobri-lo especial era mais do que o esperado. Conheci mais de mim mesmo no outro.
A sucessão extraordinária dos fatos levou a liberdade - oh, como procurei por ti! - ao inteligível. Uma decisão entre as tantas possíveis, uma seleção entre as tantas disponíveis, uma posição entre as tantas existentes, uma matrícula entre outras milhares e uma inclusão no tempo e no espaço certos (eu diria perfeitos.) foi, talvez, somente o seguimento das águas do destino. Talvez não. Prefiro acreditar nas escolhas, enchem-me de orgulho. Pense: com tantas formas de ocorrências, a mais certa, a mais prazerosa, a mais necessária se encaixou como peça de quebra-cabeça no que posso chamar de meu ka (destino - "mas é mais que isso." -, para a maioria.). Quase incrível. Só seria se não tivesse acontecido.
Como consequência das escolhas, surgiram as outras faces. Entraram em minhas águas, tornaram-se íntimas e até conheceram as profundezas. Perguntava-me: há reciprocidade? Há. A resposta veio exatamente como tinha que ser: no tempo devido. Foram autodescobertas e autoconstruções intermináveis - ainda sobe, tijolo por tijolo, o prédio com minha identidade. O júbilo por notar tudo isso é igual (ou quase) ao de poder ser como um pássaro e voar livremente por qualquer lugar. A liberdade é o melhor presente (do indicativo). Ô se é.
O que torna certas coisas intoleráveis é a impaciência. Por mais dores, por mais desafios e desgraças que possam haver, aquele que persiste no pensamento do "final feliz" é o que encontra maior júbilo na espera. Os erros que (sempre) ocorrem durante o processo são aprendizado para um tempo futuro. Há graça demais em ter de construir e desconstruir uma ideia, fazer-se e desfazer-se de um pensamento, amar e deixar de amar alguém. O tanto de raciocínio e descoberta própria que qualquer atividade que apresente barreiras exige é essência para uma vida. Talvez... tentar achar uma resposta e não encontrá-la, por mais tentativas que hajam, é diversão da mais cabível ao ser humano. Quem nunca se encantou com perguntas?
A questão é que seis meses são um infinito resumidos a um texto. Infinitos. Por isso mesmo, sem época. Até presente do mais fundo do coração pude receber. Nunca imaginei que algo material como uma camisa poderia guardar um valor tão imenso em suas costuras. Cada linha ali é manchada com a história de alguém que possui todo o brilho de minha admiração. Só que não é o material que importa; é o que tem o poder de acompanhar uma vida até seu fim e persistir até após a morte: um valor. Valor que mais de uma pessoa inscreveu em minha consciência, pois o mundo está, sim, cheio de especialidades e exemplos de vida.
Foi somente quando o sino do fim tocava que a compreensão para todas as palavras acima surtiu efeito. Entenda que há muito mais no coração que qualquer conjuntos de letras aqui possam expressar. Palavras impõem limites. E é por isso mesmo que o texto é curto. (Acredite.) Não é possível descrever somente com símbolos inteligíveis a quase todos os homens e mulheres as peripécias da vida, bela e única, repleta da subjetividade e da incapacidade humana de compreensão, com um muro tão grande à frente. Muro este composto de sentimentos, sensações, valores, significados, conceitos e tudo o que há de essência de tudo o que há, natureza da alma.
O fim é só um começo. E o tempo continua a ser apenas uma face na água.

domingo, dezembro 05, 2010

A Autoconstrução


A ilustração foi criada a partir da união de elementos da teoria da psicologia da forma, a Gestalt, do filme “A Origem” (2010) e de aspectos pessoais que apresentassem uma temática ou elemento semelhante ao longa-metragem.
Seguindo uma cronologia acerca das ideias e pensamentos que acabaram por formar o desenho final, tomam-se como base primária os aspectos pessoais, depois, algumas características do filme e, por fim, alguns conceitos da Gestalt.
O “rosto-identidade” que se encontra no nível mais abaixo e mais escuro representa o fundo da mente; o passado que ninguém conhece; a perda da identidade em conflito com a confusão mental; o segredo individual e eterno, pois, mesmo que seja uma memória ruim, constrói e construiu aquele que se é no presente, logo, não é possível ser esquecido. É importante notar que esse elemento da ilustração é o que possui as menores proporções, a ausência da cor e a escuridão eminente, tudo isso por ser integrante daquele tipo de memória que é incômoda se lembrada a todo o momento; é o segredo mais profundo. Os olhos menos atentos enxergariam apenas a silhueta de um rosto, porém é mais do que isso: é a formação da identidade, é a procura por si mesmo e é o questionamento da realidade.
Subindo um nível, há um outro elemento bastante semelhante ao anterior. Dessa vez, pode-se perceber que a cor começa a aparecer, demonstrando uma vivacidade, ainda que mínima. Há, também, uma congruência à impressão digital do ser humano. Esta última denota a individualidade de cada ser, o reconhecimento da unidade perante a sociedade. Existe uma espécie de mancha na parte do “rosto-identidade” em que, numa face humana, estaria localizada a boca. Isso significa que a fala, como elemento de integração social e poder de escolha pela voz, está escondida e esquecida na memória.
Acima, observa-se o surgimento de outros “rostos-identidade”, assim como o de outra cor, o azul, que representa a serenidade e a calmaria. Esses novos personagens são como o apoio para a construção do ser central. São eles que poderão definir quem o protagonista será. A escuridão já não é tão grande, o que mostra que a memória ali representada não é de todo um segredo, uma vez que há a participação de outras “identidades” no cenário. A mancha escura que se encontra na parte superior do rosto se mostra como a ignorância, o “calar mental” de alguém que está se procurando na realidade em que está inserido.
Após o estágio anterior, o “rosto-identidade” central, protagonista da história que a ilustração conta, apresenta uma maior variedade de cores, ou seja, passou a conhecer outros e a ser incluso em uma realidade um pouco estranha, já que é nova. Os outros personagens (que apresentam problemas, como a ignorância e a falta de visão (mental, não física) do mundo) estão mais próximos, mais íntimos, mais “amigos”, isto é, participam mais da vida daquele ser: constroem, formam e trazem maiores conhecimentos (mais cores) a ele.
O topo da ilustração faz referência ao encontro com a realidade em que se vê, se sente e se conhece todas as cores. É a descoberta de si mesmo com o apoio imprescindível do outro, pois é na coletividade que se faz a individualidade. O homem é um animal social e, por assim ser, constrói-se a partir do conhecimento que lhe vem por intermédio de outrem. É exatamente isso que a ilustração mostra ao unir diversos elementos que se conectam: a memória, a identidade e a realidade.
Se unida aos temas abordados no filme “A Origem”, a ilustração traz certas semelhanças, como a memória que não se esquece (esposa do protagonista no filme), a busca da identidade (os personagens do filme muitas vezes desconhecem a si mesmos) e a compreensão da realidade (perde-se a noção, por diversas vezes, do que é real e do que é sonho durante o filme).
Quanto aos conceitos da Gestalt, alguns fundamentos estão presentes, como o princípio básico da psicologia da forma, em que "o inteiro é interpretado de maneira diferente que a soma de suas partes". Na ilustração, a camada superior indica o inteiro e gera uma significação, porém, se analisada separadamente, são apenas, um a um, “rostos-identidade” sem maior valor. Há, ainda, a lei do fechamento, em que nossa mente vê um objeto completo mesmo quando não há um. Os personagens possuem a silhueta de um rosto humano (imagina-se a face de alguém), mas, dentro desse contorno, existe a impressão digital característica do homem, ou seja, são vistas duas imagens ao mesmo tempo. Outra lei que pode ser identificada é a da proximidade: "elementos são agrupados de acordo com a distância a que se encontram uns dos outros". A ilustração, ao decorrer da ascensão, demonstra a aproximação que os elementos da extremidade passam a ter do elemento central, formando, segundo a ideia contida no todo, um só: as cores do protagonista.

Obs.: Em todas as representações do “rosto-identidade” central há bem ao centro, numa única linha, o preto. Este indica o mistério, o “eu” que nunca se mostra; é a mente e a personalidade em seu grau mais íntimo, que, talvez, nem o próprio ser conheça bem. É o universo dentro de cada um.