domingo, junho 10, 2012

A seco

Quando foi que a lágrima secou? A alegria encharcada de derrotas e inexpressão era umidade em dia seco, roupa para quem precisa, abraço que finda tristeza. Mas, quando evaporou, nada havia que fizesse molhar. Nem a saudade, nem a ira, nem o medo. Nem a felicidade que está o tempo todo à frente.
Frio que fez num corpo caloroso, que abafou a força vital de cada dia, que era nostalgia das mentiras, das mentiras e das mentiras que contamos para nós mesmos, pulverizou as calosidades da poesia até então frutífera. Assim, a fé se foi, para não voltar tão cedo. Fé de que a lágrima voltasse redundantemente a ser molhada.

terça-feira, março 20, 2012

Fragilidade

Como é frágil o ser humano, que submete-se a vícios dolorosos. Não restrinjo com a ausência da parada que a vírgula possibilita para a alternância de sentido. Não me destaco da parcela que experimenta a dor aguda. Pelo contrário, incluo, pois compartilho da dor, de modo alheio. Não sofro da mesma intensidade de vício, nem mesmo do tipo, quem sabe. Sinto, com o resto do mundo, as mazelas que acometem os de histórias trágicas, de corações partidos, de perdas irreparáveis e de mentes inconsoláveis. Que impotência me toma por nada poder fazer, a não ser doer-me junto.
Como é frágil o ser humano que se machuca com o machucado dos outros. É capaz, até, de pensar que se identifica com o vício que dói, o mesmo que deveria somente fornecer prazer. Cria dor onde não há. Faz da dor o que há.
Como é frágil.

domingo, março 11, 2012

Estações

A vida tem uma maneira sórdida de fazer confundir o passado com o futuro. É como se toda vez que você for entrar no trem, achar que vai cair porque uma vez caiu. E pensar, ainda, que novamente vai se machucar. E, também, que será tão dolorido como o machucado anterior. É prevenção natural.
No entanto, passado algum possui o poder de provar um futuro que só existe em teoria. A própria história do Universo é uma sucessão de casualidades. Que faz aquele crer que a vida, oriunda da eventualidade, é  ilogicamente contrária, incapaz de ter sua aleatoriedade inscrita em si só e dependente de seus próprios eventos idos?

Que hesite, mas não deixe de entrar no trem porque tem medo da dor.

sábado, janeiro 14, 2012

O frio e o calor

Uma vida no interior, o som e a imagem do silêncio, uns animais em volta correndo contra o vento, o cheiro do café sendo preparado, a luz penetrando, pela janela, o interior sombrio da casa, talvez alguns filhos brincando no gramado e uma mulher para amar. Esta talvez seja a real ideia de felicidade.
O clima do fim de um ciclo. O clima da solidão. Tão prazeroso poder senti-lo enquanto é tão triste presenciá-lo. Não que eu venere o sofrimento, mas é bom demais poder conviver de vez em quando com o frio.

2010

sábado, outubro 15, 2011

A folha que cai

A folha cai lentamente. Admira-se sua leveza e sua inexpressão.
O flutuar da folha da árvore até o chão é irrigado pela contemplação de uma Natureza que a entrega à morte, sem dó nem piedade, pois, de todas as coisas de que precisa, a principal é seguir em frente sem nunca olhar para trás. Não por ser arrogante, mas por ser natural. Nesses últimos instantes de sobrevida, a folha que voa para o inevitável não discute os porquês. Aceita, entende e sabe que é natural.
Ser humano é contra-natural.

sábado, agosto 27, 2011

Crítica: "Mobilização: Eu escolhi esperar"

"[...] Entre os solteiros cristãos, há um hábito “comum” inciarem suas vidas emocionais e sexuais precocemente. Com ou sem compromisso, muitos iniciam verdadeiras aventuras emocionais, sem saber as implicações que os espera. Se a relação não culminar no matrimônio, o resultado no final desta história, não é nada romântico. É trágico. [...]"


Até entendo a tragédia que pode ser, caso um filho não planejado apareça, atrapalhe os planos e distorça a imaginação para o futuro. Obviamente, isso traria aspectos ruins para a vida de alguém. Bons frutos também viriam, mas, num primeiro momento, somente a tristeza seria focada, como todo ser humano costuma fazer. Só que não acredito, de forma alguma, que uma "aventura emocional" e uma "vida sexual", com ou sem compromisso, venham a trazer uma tragédia, caso não resultem num matrimônio. E os matrimônios que culminaram na infelicidade e num final nada romântico? Não podem ser tragédias? Cada um tem o poder de fazer sua própria tragédia e sua própria glória numa relação.
Se um relacionamento chega ao fim, se uma "aventura emocional" termina, só traz tragédia para quem não enxerga o lado positivo. Parece que com a generalização e determinação que o trecho acima implica, tudo o que não resultar num casamento é ruim. Não sei se sou só eu, mas as experiências, os significados e os valores que relacionamentos trouxeram para mim definiram (e muito) a pessoa que sou. E não digo que esses aprendizados que a mim são intrínsecos provieram somente da felicidade. Não! Grandessíssima parte surgiu da tristeza, do pesar, da tragédia (de que o trecho fala). É um engano dizer que o fim de um relacionamento é um infortúnio. E é, da mesma forma, crer que um matrimônio traria a tão desejada (eterna) felicidade.
"Com ou sem compromisso, muitos iniciam verdadeiras aventuras emocionais, sem saber as implicações que os espera." Qual seria o sentido e a graça de uma aventura premeditada? As implicações fazem parte de qualquer coisa que se faça. Mais: o próprio significado de "aventura" é o risco, a imprevisibilidade. Não é a própria vida composta por uma série de acontecimentos imprevistos? Ou vai me dizer que sabe tudo o que vai acontecer e já tinha pleno conhecimento do que aconteceu até então?
Não sou admirador de religiões, nem creio que Deus ou algum ser superior una as pessoas. Quem une são os homens e as mulheres. Quem separa também são eles. Se existe um Deus, o que ele dá é liberdade de escolha.

Obs.:
Devo deixar claro que não tenho nada com quem crê no que o trecho diz. O negócio é com o próprio trecho mesmo, que afirma e transmite uma visão generalizada e falha sobre os relacionamentos e as escolhas de cada um.

domingo, julho 17, 2011

Devaneios sobre a morte e afins

A luz adentra a escuridão assim como a vida adentra a morte. Não me diga que não é assim. A morte é tão necessária quanto a escuridão. Sem morte não há vida; sem escuridão não há luz. Mas, por favor, eu lhe peço: não encare a morte como o fim, como um desprazer. A morte é a eternidade. Eternidade esta impossível de se encontrar em vida. É lá, no fim do tempo e espaço, que todos se reúnem novamente.
A experiência de viver traz tantas pessoas, tantas sensações e aprendizados ao vocabulário vívido que somente no fúnebre podem ser reencontrados, um a um, novidade a novidade.
Vivido vivo viverá. Tudo que um dia é novo passado se tornará. E do futuro ninguém sabe. Cabe à morte a reunião. Acaba-se o tempo - e o espaço. Tudo se transforma num só. E a finalidade falha em subsistir. Resta o infinito. E, agora, que reencontro meus queridos amados, que um dia já foram os melhores, a sensação do passado deixa de existir. Tudo se resume a um só. O centro da vida e da morte: a eternidade.
Meu âmago já deixa de buscar os porquês. É neste exato momento que tudo começa a mudar. Eu vejo. Eu escuto. Eu sinto. Eu contemplo a resolução e não há mais um motivo. Nem um quando, nem um como. Nem mesmo a singela ideia da preocupação. Agora, simplesmente acredito no que sinto. Quão belo poderia eu ter imaginado em vida que seria isso? É uma nova experiência, e, por assim ser, não havia imaginação potente para tal. A imaginação dá a situação; a memória, a sensação. Como se torna forte, então, a concepção! Quero dizer que toda imaginação que produz alguma sensação só se realiza por meio da recordação. É uma relação, não exatidão. Se imagino algo que nunca experimentei, posso ter uma emoção me invadindo, mas somente porque consigo uma analogia com a sensação que existiu numa situação semelhante (ou que o senhor Cérebro julga como tal). Mas o que importa? Nunca me senti tão vivo!
Cabisbaixo, como não me pergunto: o que será que aconteceu com o meu mundo? Começa no negrume, passa para o desconhecido, mas o que é isso? Pergunto, pergunto, não escuto. E o tempo passa e as memórias se diluem e o espaço, ó o espaço, ele se acaba. Volta e meia ainda ergo a cabeça. E... antes que eu me esqueça: memória, permaneça. Só que descubro que o tempo é um sujo. Bate na porta e me leva do mundo. Leva a memória, faz-me escória. Não me deixa nem escrever minha história.
Quando a transição se encerra, aquela magia negra já terminou. Eu me sinto tão cheio. Não sei se é de tristeza, arrependimento, culpa ou felicidade. Passou-se tanto e, agora, o tanto não parece nada. Há um vazio muito cheio dentro de mim. Ao dar mais alguns passos, a ficha cai. As memórias regressam. Consigo vê-los todos, senti-los realmente eternos. Agora... agora não. O tempo deixou de existir. Sei — e só sei — que estou cheio de um vazio de felicidade por tudo o que vivi e deixei de viver, por tudo que apostei e desisti, amei e odiei. Estou vazio, pois nada mais há. No entanto, estou cheio. Cheio de memórias que o tempo levou enquanto o céu era cinza. Por que vocês não me dão a mão e me seguem sem rumo? Qualquer imaginação terá algum muro.
Eu saio daqui, e deixo a memória.

domingo, maio 29, 2011

Final infeliz

Quem dera eu pudesse dar adeus sem o amargo gosto do final (sempre) infeliz na boca. Quem dera o gosto fosse doce e o final, feliz. O trânsito da vida traria conexões afetivas que durariam uma felicidade, uma eternidade. Mas não! Ó Discórdia, tu trazes o fim como uma bomba programada para explodir e acabar com tudo. Mas não! Não explode. Dá adeus. Dá adeus e não explode. Feliz seria se não explodisse, já penso, mas não! Outros finais, outras despedidas e outros adeus são necessários. O fim é indispensável, a roda precisa girar e o mesmo acontecer, em outros contextos, quem sabe? Outros pratos de outros (e novos) conhecimentos de outras coisas de outras vidas, ah, como preciso! Vai, muda, talvez a história (enfim!) não se repita. Fadado à repetência é aquele que dá os mesmos passos, pelos mesmos caminhos, com as mesmas vontades. É a escola da vida.
E se? A inerência do ser humano ao negativismo é, basicamente, uma verdade majoritária. Não posso dizer que são todos. Eu, pequeníssimo, não posso, sequer, ousar mencionar isso, ó não. Quem nunca se viu severamente atingido por uma infelicidade quando tantas outras felicidades ocorreram em número muito maior? A dona Infelicidade é forte. É suja. Não sabe brincar com a dona Felicidade. Desfaz o equilíbrio dela, essa malcriada. Há, no entanto, aqueles - digam Graças a Deus! - que conseguem obter um maior controle. Fazem da dona Felicidade uma combatente mais bem preparada. E aí entra a grande diferença para o entendimento da outra dona.
Dona Infelicidade é uma criança mal-amada. Ela suga energias boas para se alimentar, mas não deixa de ser criança. Não deixa de brincar, não deixa de cair e nem de se levantar. Não deixa de aprender nem de ensinar. Só precisa de uma maior atenção e de maior cuidado, pois é fragilizada pela falta de compaixão. Se fosse sempre possível compreendê-la com amor, a perda de equilíbrio de dona Felicidade não seria tão grande. Mas não! A dona Compreensão, nossa mais nova personagem, é recusada, atirada para o final da fila das

"coisas que preciso melhorar".

Uma pena. Dona Compreensão consegue fazer tanto. Aliada à sra. Paciência, de ilustríssima presença em nosso enredo, então, faz quase que milagres! Ah, mundo, ó Discórdia, tudo a seu tempo.
A estrada, a longuíssima estrada até virtudes, é permeada por experiências, compartilhadas (melhor assim) ou não com outros, que fazem com que a explosão daquela bomba seja um adeus, uma partida e uma despedida, mas não um esquecimento - digam novamente Graças a Deus! - do que foi. O que torna uma despedida, uma partida e um adeus menos dolorosos é a compreensão da necessidade do fim. Não que ele não seja infeliz, mas se as donas do nosso enredo, além da Infelicidade, se fazem presentes, o adeus (sempre infeliz) não precisa ter o gosto de todo amargo. Mas não! Ele tem. Que o gosto seja amargo! Mas que as donas o adocem.

Adeus (amargo)!

quinta-feira, abril 21, 2011

(Re)Aprendendo a andar de bicicleta

O sopro do ar se intensifica a cada contração que meus músculos fazem para encontrar uma das melhores sensações de que tenho conhecimento: a liberdade. É o exercício, muitas vezes cansativo, para chegar ao sublime. Não é movimento somente pelo físico, mas pelo quase inexplicável, pelo que me causa riso quando contemplo o céu, pelo que me causa felicidade quando simples é. Sou preso à sua beleza,
vento.
A primeira coisa em que penso é em ti, liberdade invisível que toca meu rosto e todo o meu corpo e transmite toda a beleza de poder ser, pelo mínimo intervalo de tempo, alguém forte. Há uma certa necessidade na vida de não necessariamente ser forte, mas de se sentir forte, encontrar-se pelo menos alguma vez na mais primitiva condição humana, fechar os olhos e saber que, na realidade, não há ninguém mais que possa lhe ajudar. Enfrentar um desafio por si só.
Muitos seres humanos aprendem a andar de bicicleta quando são crianças. Nem todos reaprendem a andar de bicicleta para poder sentir novamente o espírito livre da criança que não é mais. É tão bom perder as pernas e o resto do corpo por um instante e deixar a alma vagar na escuridão da cegueira, sentindo somente. O exterior em contato com o interior. Só uns segundos eternos. Ainda melhor: poder ouvir o resto do mundo se movendo, eletricamente, sem parar, nem por um milésimo, enquanto a brisa forte rasga o rosto, o solo muda de plano a cada passar do tempo, e eu não quero parar. Quero sentir isso para sempre. Mas não posso. Não posso. A sociedade não me permite, cheia de suas regras de trânsito, de sua ordem no caos, de seus sons irritantes e seu nervosismo extraordinário. Mesmo assim, eu não quero parar: continuo noutro dia, noutro tempo, noutra situação.
Imagine poder não precisar decidir o que acontecerá. Apenas se soltar do material, entrar em contato com a Natureza, descobrir-se lá! Ó, terrível mundo que não permite sua continuidade sem minha aprovação, vá embora para que eu desça esse caminho sem me preocupar com o que tenho, com o que devo e com o que eu deveria fazer e ser. Deixe-me só a admirar o homem que brinca com o cachorro sem saber que é observado, mas que nem se importa com isso. Deixe-me vê-lo atirar um graveto na esperança de que o cão irá buscá-lo. Deixe-me assistir à sua ida pensativa, à sua volta ao asfalto, com o cachorro o seguindo. Deixe-me ser forte.
Não, não. Não preciso de permissão.
Desço o caminho sem me preocupar com o que tenho, com o que devo e com o que eu deveria fazer e ser. Assisto, também, ao homem e ao cão que não sabem - e não se importam - que são observados e desfaço-me do futuro, da preocupação. Continuo meu caminho de volta ao mundo regrado, mas sei que não há necessidade de ser forte contra o que pode me machucar nessa sociedade. Basta que eu me sinta forte. E a brisa forte corta meu rosto.

domingo, março 27, 2011

O Preconceito

O preconceito é a desculpa que o ser humano dá para a existência da diferença, pois sua vontade suprema é ser rei (ou participar do reinado).
O pré-julgamento é a arte e ofício de quem deseja ser superior: atirar antes de perguntar. Rotular alguém por uma simples característica - aos olhos sociais, de doce veneno, passível de pré-julgamento massificado -, anulando tudo mais que o antes ser plural (agora uno) pode possuir. Mesmo um erro corrigido do passado faz o julgamento do presente ter base no mesmo passado. A experiência passada não prova o futuro. Quem julga sem conhecer a verdade - esta do presente -, quem julga pelo que os outros contam de outrem esquece e desfigura toda a possibilidade de mudança. Eu errei, você errou, mas, como sabemos muito bem, eu sou alguém, assim como você é, que possui a dignidade e a coragem de tornar algo correto, de mudar, nem que seja apenas no íntimo: não errar o mesmo novamente; tomar consciência de que um erro só é cometido para se aprender dele, e não voltar a cometê-lo (ou pelo menos tentar).
Agora, jogue a maçã para Eva, o errante para uma sociedade específica (escolha uma). O que vê? Dedos. Dedos apontando. Dedos tão, ou mais, sujos do que aquele que está no centro da atenção. Todos os dedos acusadores desejam estar limpos, entrar no recanto da supremacia, tornarem-se reis. Mas que dedos limpos são esses que todos os dias precisam de água e sabão para removerem sua sordidez? Não são mais do que peças encardidas que, cegos pela ignorância, desculpam-se de seus próprios erros ao jogar um pecado - a culpa - em qualquer um que possa ser colocado no centro das atenções. Desviam os olhos - e línguas - venenosos da sociedade de sua própria sujeira para a sujeira do próximo. O pior é que ninguém nota que a sujeira se torna ainda maior quando alguém aponta seu dedo sujo para a suposta indecência do outro, pois o preconceito é a cagada mais infecta que alguém faz: espalha como vírus pelo ouvido alheio. E, como vírus, sofre mutação por erros de replicação da informação, o que faz de uma possível verdade um monte de mentiras.
O próprio buraco da coluna da verdade é o preconceito. Atira, ultrapassa, modifica e repassa. É um ciclo vicioso que só para quando há desculpa: a chave da verdade. Então desculpe, conheça, entenda. Um pouco de tempo olhando, escutando ou vendo o buraco da coluna da verdade ser fechado é o bastante para entender que há mais do que parece haver; há mais do que se ouve dizer; há mais do que uma pele negra, um excesso de gordura, uma deficiência física. Há mais por trás da barreira (in)transponível do preconceito. Há um universo (de diferenças).