sexta-feira, fevereiro 04, 2011

O cão feliz

Um cão sem uma pata que pula e parece feliz. Já viu isso?
O mundo descarta indefinidamente toneladas de felicidade para tentar se ajustar. Encaixar-se nos modelos é o desejo. Desejo vai embora. Os sonhos são esquecidos, trancafiados na lista do que fazer antes de morrer e tudo que é questão resume-se ao tempo: quando o sonho deixará de ser? Quanto tempo até o despertar? E assim vai, vai, vai, tão, tão, tão, longe, longe, longe, pisa-se em cada buraco da estrada, quebrando os ossos, ouvindo o estalar das dores que vêm e vão, até nem sequer saber o que se sabia até então. Eu amava? Eu tinha um sonho? Eu vivo o quê?
As costas se viram e um empurrão desmoraliza todo o forte da imaginação. Mais uma facada dada no coração com as próprias mãos. A culpa é sua.
Sempre há um culpado nesse mundo, porque falta alma e compreensão. Muita compreensão. A culpa é sua.
Não minha.
Está errado, está certo, blá-blá-blá. No fim, tudo não passa de memória descartável, como a merda que sai de seu corpo. A maturidade assume seu posto e sai da linha de tiro, deixando os galos brigando por seu milho. É bastante egoísmo, até, Deus perdoe. Aí chegam os sorrisos, depois, as mentiras, e por último vem o tiroteio, como diria o grande pistoleiro de Stephen King. A história, então, se repete: as costas viradas e a desmoralização, todo aquele esquema e mais falação com acusação.
Mais uma vez.
E mais uma vez.
De novo.
Nem o amor salva, porque é dada permissão ao ódio para destruir. E o sangue escorre até pela boca por causa dos dentes afiados de réptil. Muita raiva. Muita proibição. Muito esforço para seguir pelo caminho mais fácil - e sem sentido -, já que o mais árduo se revela na praticidade do júbilo e da compreensão. Ajude-me a pensar, pois sou incompleto. Ajude-me a sentir, pois sou incompleto. Ajude-me a ser, pois sou incompleto. Rogai por nós, pecadores. Pecado não é fazer sexo quando se ama. Pecar é culpar outrem que não tem escolha de como ser. Culpar o destino pelo que se faz.
Por que o cão sem pata pula e parece feliz? Porque é isso o que ele sabe fazer. É disso que ele gosta. Não há repreensão, moléstia, pecado. Não há compreensão para o preconceito aqui. Não há pata. E ainda pula. Feliz. O cão não lê, aqui, que não possui uma pata. O cão não entende a vergonha e o conceito pré-estabelecido que seres humanos dominam tanto. Por isso ele pula. Feliz. O cão atinge seu sonho sem uma pata. Feliz.
Diga-me, amigo, você consegue pedir por algo mais?

3 comentários:

  1. Eu pediria uma pata! Sempre quis ter uma...

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  2. Peço, unicamente, pelo autor - muito bom - do texto. Ele, sim, me faz pular e feliz.

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