quarta-feira, janeiro 20, 2010

Gratidão


Para Juliane, que me ensinou o significado da alegria e o significado da tristeza, ou seja, o valor do amor.

O erro
A dor pareceu por tanto tempo tão... insuperável. O abismo se abria ao acordar, e toda a queda do precipício parecia eterna, enquanto o mundo passava despercebido pelas arestas do presente.
Desespero mostrava seus dentes e dominava sua presa com total auto-confiança, porque ela era fácil. Quero dizer, estava fácil. Difícil era escapar de garras tão afiadas pelas trevas. A consciência apenas nadava em sua piscina da escuridão, um líquido tão inexistente e inebriante. Sobriedade ali não havia.
A luz... ah sim, a luz, dissipada de sua essência no escuro voraz, não encontrava seu foco, muito menos era encontrada. Dois cegos, dois surdos, dois mudos. Dois completos desconhecidos: a luz e o deficiente lunático.
Uma chamada vinha do além, convocando o ser perdido para a saída terrivelmente indesejada, por ser dolorosa, porém verdadeira. Chamava, chamava, chamava... Ninguém queria atender. Dava ocupado, mas por mais que fosse ignorada, mais chamava. A insistência gerou insanidade, sofrimento e angústia, mas nada que o tempo não pudesse contornar com sua majestosa função de cura. Assim, o sol se mostrou por entre tantas nuvens de um modo extremamente insólito, revelando a saída única da miséria. Coragem para encarar a terrível tempestade que ainda vinha foi indubitavelmente necessária. E, com a sabedoria da leitura, a luz simplesmente penetrou nos corações, emanando por lá a querida esperança. Não, ela não estava morta, só precisava ser acordada.
Com tamanha determinação, os medos foram sendo postos de lado, porém a sombra ainda rondava a separação angustiante de dois corações, como um cachorro que segue seu dono. O futuro tornou-se uma incógnita com sequer um sinal de previsão do que viria a acontecer, arrancando das entranhas dos sentimentos o desespero fulminante da solidão. Mágoa... muita mágoa nadou pelos rios de sangue do corte de separação tão profundo, envenenando a essência do viver. Separação inevitável já naquele ponto. Era o único caminho a tomar para pôr fim à escuridão que tanto insistia em permanecer.
Não. A escuridão permaneceu. Tinha de haver a reviravolta.

A meretriz e o impenitente
Como retribuição pela tortura que um ser causou a outro, surgiu a desgraça, que em sua personalidade guardava a miséria da decadência. Ludibriou o ingênuo ser errante com falsas demonstrações de quem realmente era. Com a convivência, a máscara desse ser das trevas foi lentamente caindo, revelando então a essência pobre e medíocre de um ser humano afetado pelos males da sociedade. Tolerância e paciência foram virtudes extremamente necessárias nessa jornada ruinosa, que resultou apenas em auto-conhecimento e procura da redenção.
O Universo fez seu papel em cenário tão catastrófico ao dar avisos constantes do perigo iminente, porém a mente do errôneo teve esperança de que o ser trevoso lutasse pela mudança de si próprio, abandonando a pobreza que emanava, e visse a beleza do amor e da compaixão, assim como a da educação. Tolo... tolo foi o errante que mais uma vez falhava em sua concepção humanística. Apenas segue adiante quem quer, afinal, onde há vontade, há um caminho.
Atônito por sua estupidez, o errante teve que fazer pelo menos algo ser certo para alguém. Mudou, ou seja, tomou para si os próprios conselhos que deu para quem não queria ouvir e seguiu adiante, enterrando como um gato os dejetos que acabava de excluir - de sua vida. - Sim, obviamente não era a urina.

A mágica
Com tudo, cada parte integrante, cada coração foi para seu lado, tomando destinos distintos e embarcando em novas ondas de aprendizado. Entre a conexão que um dia existiu de maneira absoluta e sincera, criou-se o vácuo.
O vácuo produzia apreensão, pois era nada, mas deixava as pistas de onde esteve. Relegava sua presença por motivos do destino. Renegava entregar-se por completo à luz do conhecimento. Esperava pacientemente pelo momento certo, já que duas almas que uma vez foram tão entrelaçadas não deixariam simplesmente o passado ser enterrado sem a glória da redenção e o milagre do perdão. O destino é forte.
O tempo amenizou o vácuo até um ponto em que simplesmente as conexões entraram em paz de espírito. As trevas estavam se afastando, como as nuvens de tempestade que são empurradas pela força do vento. Uma vez mais o sol teve que brilhar.
A cura demorou, mas acabou por firmar solo nas almas chorosas, e trouxe a tranquilidade, que tanto vagou pelo desconhecido, de volta ao lugar ao qual pertencia. Um lugar solene e secreto. Um lugar, pelo menos.

O preenchimento do espaço vazio
Era chegada a hora da redenção. A impertinência de uma dúzia de erros invadia a mente perdida, confundia o significado do certo e do errado. A luz havia chegado, menos a compreensão. Um desejo cada vez mais intenso se propagava nos recônditos sentimentais de um caminhante da vida. Desejo de conclusão, desejo de acerto - acerto de contas - , desejo de um recomeço. Nunca é tarde para recomeçar.
A espera pelo momento certo foi muitas vezes aflitiva. Era como esperar por uma surpresa prometida. Saber o quê, por quê, mas não saber quando. O vazio precisava de seu preenchimento.
Paciência, quanta paciência.
A conexão fora estabelecida. Era tempo de pagar as contas há tanto atrasadas e colocar o passado onde é seu lugar. O que se seguiria era encoberto pela questão de escolha, mas nem por isso o medo e a covardia encharcaram os corações daqueles que um dia nem sequer tinham ideia do significado das tristezas. Eles seguiram adiante.

A limpeza da consciência (selecionar o título à esquerda)
Ele enxergava. Após atinar-se à escuridão inconscientemente, ele abriu os olhos e o que viu foi belo. Sentia que tudo aconteceria naquele momento, como se tivesse flashes do futuro.
O mundo fora aberto. Segredos, que uma vez fizeram-nos solitários, foram destrancados de suas prisões mentais e deixaram fluir a honestidade e a compreensão, emanando uma onda de experiências nunca antes vividas. Um sonho era o que parecia, com elementos tão surreais que fugiam à percepção racional. Acontecia a mecânica da brisa.
Um sonho lúcido, diria. Frases eram jogadas numa mistura de sensações unânimes, como se o cérebro não mais controlasse o fluxo de informações, gerando o arrebatamento de sentimentos que não eram desejados nem deveriam ser. Sem sombra de dúvidas, houve tristeza naquele momento, pois as revelações que chegavam aos ouvidos dos protagonistas desta história, criavam certa decepção aos corações com cicatrizes recentes. Era como engolir uma pedra, que, com força de vontade, desceu.
Ignorando a convulsão de sentidos de orgulho, a redenção tomou parte. Com palavras cuidadosas e verdadeiras, o perdão já concebido caminhou até onde terminava sua aventura e cravou lá um ensinamento que teve suas raízes no inferno, mas que deu frutos divinos que jamais perecerão.

O efeito do abraço
Em apenas segundos de duração, o abraço se fez necessário. A eternidade deste momento somente parece existir na incompreensibilidade do que foi. Quando ocorreu, foi como uma chave trancafiando um baú rubro, um clique na mente de quem só percebeu a imensidão do ocorrido no momento da reflexão. É praticamente inexplicável, só cabendo a entender quem o sentiu. Era uma conversa de almas, um ato quase irrisório. Certamente algo faltou, porém não o que era necessário.
E, novamente, a história completou seu ciclo, levando cada alma, cada ser, cada coração pelos caminhos distintos que foram escolhidos, para que, na alegria ou na tristeza, façam-se um: o caminho do amor.
Todo mundo tem que aprender uma hora.

A gratidão
Obrigado.

terça-feira, janeiro 12, 2010

A última que morre


Esperança. Até que meu último suspiro seja dado, a maravilha dela estará comigo. A beleza estonteante desse ser deslumbra a visão racional, leva ao ceticismo, porque, como trata-se de uma imaterialidade, há a dúvida. Mas quem é que liga para isso? Quem fica se perguntando se é apenas uma possibilidade? As pessoas adoram o que não conhecem, veneram o mistério e, muitas vezes, são ignorantes.
Esperança. Cria um clima, dá sabor à vida. É ela que dá o prazer de sonhar, de planejar o futuro, sabendo que o mesmo é imprevisível. Impulsiona a paixão, esboço do amor, caracterizando o desejo humano de união. Avessa à desistência, embala a perseverança, obviamente, para a simples e complexa conclusão de um querer. Simples na sinopse, complexa no todo.
Esperança. Vítima de uma guerra, de um conflito entre lados opostos. Morte súbita no grito de vitória. Ela morre e fica só num lado, esperando, como sempre, no final da fila até que exista outro ataque - ataque de nervos, ataque de raiva, ataque de amor, ataque de ódio, ataque, ataque... - e a fila ande, acabando com uma legião de sentimentos e percepções em seus enclausurados mundinhos humanos.
Esperança. Quanta esperança aqui. Mesmo assim, quanta esperança nos falta! Nossas expectativas apenas giram em torno de pequenos objetivos, fáceis de serem jogados no fundo do baú da "completência". E quanto aos nossos sonhos, aos sonhos de todos, aos sonhos de um todo? Nao, não, não, nada disso. Somos independentes, é cada um por si. Sonhos são para sonhadores.
Esperança. Como uma almofada em que todos sentam, sente o cheiro de cada um, cada orifício que ali expulsa uma jarrada de flatulência fogosa. Possui dos mais indescritíveis arranhões em seu tecido macio que acalenta os duros corações de humanóides passivos para o mundo. Arranhões estes que se tornam apenas cicatrizes do tempo com o passar deste. Leva cada história consigo, até que...
Esperança. Juiz de nossa instância. Quando soa o gongo da intolerância, morre ela sem importância.
Esperança.
Esperança.
Esperança.
Esperança não se cansa.

segunda-feira, janeiro 04, 2010

Amor e Paixão, Paixão e Amor


Oh amor, infiel companheiro mas amigo do peito (perdoem-me o trocadilho), executor de tão surreais sensações, transtornado extremista quando falha a razão. Amor ou paixão? Súbita questão. Primeiro paixão, certo? Do jeito que acontece.
Ah sim, esse é a criança mimada. Não há razão que o silencie quando grita, esperneia e luta para que lhe deem ouvidos. O pior de tudo é que ele queima seu receptáculo com um fogo que arde tão intensamente que nem chega a causar dor. Supera isso. Causa até prazer. Você até pede por mais! mesmo sabendo que, dependendo do caso, não deveria.
Realmente manipula seu próprio zumbi ao não só controlar seu modo de agir, mas também suas escolhas. Faz com que seu continente se sinta errado ao não lhe dar atenção, concedendo furor ao âmago do pobre ser que, privado de seu livre-arbítrio, cede aos pedidos insaciáveis do então soberano hóspede. Não disse que era uma criança mimada?
Essa criança sofre a ação do tempo e cresce, inevitavelmente. Isso se uma morte não vier tomar a cena antes - morte do sentimento, certo? Certo então.* Não queremos tragédia aqui. - Aquela combustão toda é extinta pelos bombeiros cerebrais, que percebem que não há algo tão especial para causar um sentimento tão eufórico, e toma posse a ilustre presença do amor, nosso convidado mais esperado.
Nada tão puro e belo como o mais novo personagem apresentado ao coração. Célebre sentimento, simplesmente é. É verdadeiro, é bem-vindo, apenas é. Ocasiona assim, contentamento, alegria, satisfação ao seu hospedeiro, que nem sequer tenta lutar contra seu inquilino, pois gosta de sua presença, não quer outra coisa do que viver o que tem intensamente.
Ser e sentimento se juntam, esperando somente a retribuição, reciprocidade na mesma medida ou pelo menos perto. Tem de haver um equilíbrio. Chegando lá, preocupações ficam de lado. Um lado está muito magrinho? Ah, aí sim a balança gera um alerta. E lá vem inquietações... Resolvendo ou não, não importa, a história é cíclica.
Oi, paixão, você de novo por aqui? Um homem sem vírgulas é um homem sem história.

*Diz que eu acertei dessa vez, diz que eu acertei!

sábado, janeiro 02, 2010

A mecânica da brisa


O show é interrompido por um instante. É o começo de um outro espetáculo. Chamo-o (por influência de "Laranja Mecânica") de odinóque. O espetáculo do odinóque.
As cortinas se abrem novamente num tempo realmente inconcebível, deixando atônita a plateia. Plateia essa de um ser. Eu, você, ele, ela, qualquer um pode estar lá, mas é apenas um. Esse espectador faz seu próprio teatro. Ele pensa e os atores encenam. Funciona muito bem a telepatia, com uma sincronia magistralmente perfeita.
Enquanto o desenrolar das cenas acontecem, mais perguntas vêm, bombardeando não só o pensamento desse ser-testemunha mas a coreografia dos atuantes do palco, exigindo a maestria dos movimentos para que a compreensão seja atingida.
O espetáculo é assim um daqueles shows televisivos em que há um apresentador fazendo perguntas a um participante. O auditório solo é o apresentador e os atores, o participante, agindo num uníssono palpitante. Sempre que tal espectador indaga, o conjunto atuante tem que rapidamente elaborar a resposta dançante para que o jogo prossiga. Se a questão não encontra seu par perfeito, seu saneamento, sua solução, de primeira, a cena continua passando, mas alterando-se o roteiro cada vez que passa, tentando numa ansiedade desesperadora atingir o clímax e proceder com o fim satisfatório.
Assim, verdades, opiniões e outras questões vão sendo concebidas, dando a luz ao conhecimento tão almejado de nossa querida plateia. Não, não, a plateia não sabe de nada. É tudo improviso! É o show da mente. A discussão é apenas gerada assim que aquela cortina se abre. O mais incrível, que nem a plateia nem os atores percebem, é que eles são um só.
E o fim... só Deus sabe, porque chega um momento em que a finita mente humana não encontra a certeza em sua resposta. Até aí a cortina já se fechou e o show da vida voltou ao ar.