segunda-feira, dezembro 20, 2010

Seis meses sem época

Acho que é tempo.

A face que era vista na água não é mais a mesma. O tempo correu como um rio bravo, principalmente nos últimos seis meses. Há tanto e tão pouco em tanta e tão pouca água que seguiu seu caminho. Difícil definir o tempo: uma face na água. Fora do ócio, um reflexo indistinguível; dentro, quase que um espelho. O bom de não se fazer nada é poder analisar a si mesmo. Mas se nada há a fazer, o que pode acontecer? Aquele que não se move, que é imutável, estático, não nada em seu próprio rio; não descobre o além da vida.
Às vezes, certos acontecimentos têm de se consumar - é o que parece. Você se pergunta o porquê, mas a felicidade de saber que aconteceu é resposta o bastante. Difícil é questionar imensa felicidade. Em seis meses: 180 dias (aproximadamente), ou 4320 horas (aproximadamente), ou 259200 minutos (aproximadamente) rostos surgiram em meio ao curso do meu rio. Rostos belos, por assim dizer. Belos não pela questão física - ainda que haja alguns que o são -, mas pela universal (É a melhor palavra, pois toda pessoa, sem exceção, é um universo.). Ter a possibilidade de conhecer o próximo e descobri-lo especial era mais do que o esperado. Conheci mais de mim mesmo no outro.
A sucessão extraordinária dos fatos levou a liberdade - oh, como procurei por ti! - ao inteligível. Uma decisão entre as tantas possíveis, uma seleção entre as tantas disponíveis, uma posição entre as tantas existentes, uma matrícula entre outras milhares e uma inclusão no tempo e no espaço certos (eu diria perfeitos.) foi, talvez, somente o seguimento das águas do destino. Talvez não. Prefiro acreditar nas escolhas, enchem-me de orgulho. Pense: com tantas formas de ocorrências, a mais certa, a mais prazerosa, a mais necessária se encaixou como peça de quebra-cabeça no que posso chamar de meu ka (destino - "mas é mais que isso." -, para a maioria.). Quase incrível. Só seria se não tivesse acontecido.
Como consequência das escolhas, surgiram as outras faces. Entraram em minhas águas, tornaram-se íntimas e até conheceram as profundezas. Perguntava-me: há reciprocidade? Há. A resposta veio exatamente como tinha que ser: no tempo devido. Foram autodescobertas e autoconstruções intermináveis - ainda sobe, tijolo por tijolo, o prédio com minha identidade. O júbilo por notar tudo isso é igual (ou quase) ao de poder ser como um pássaro e voar livremente por qualquer lugar. A liberdade é o melhor presente (do indicativo). Ô se é.
O que torna certas coisas intoleráveis é a impaciência. Por mais dores, por mais desafios e desgraças que possam haver, aquele que persiste no pensamento do "final feliz" é o que encontra maior júbilo na espera. Os erros que (sempre) ocorrem durante o processo são aprendizado para um tempo futuro. Há graça demais em ter de construir e desconstruir uma ideia, fazer-se e desfazer-se de um pensamento, amar e deixar de amar alguém. O tanto de raciocínio e descoberta própria que qualquer atividade que apresente barreiras exige é essência para uma vida. Talvez... tentar achar uma resposta e não encontrá-la, por mais tentativas que hajam, é diversão da mais cabível ao ser humano. Quem nunca se encantou com perguntas?
A questão é que seis meses são um infinito resumidos a um texto. Infinitos. Por isso mesmo, sem época. Até presente do mais fundo do coração pude receber. Nunca imaginei que algo material como uma camisa poderia guardar um valor tão imenso em suas costuras. Cada linha ali é manchada com a história de alguém que possui todo o brilho de minha admiração. Só que não é o material que importa; é o que tem o poder de acompanhar uma vida até seu fim e persistir até após a morte: um valor. Valor que mais de uma pessoa inscreveu em minha consciência, pois o mundo está, sim, cheio de especialidades e exemplos de vida.
Foi somente quando o sino do fim tocava que a compreensão para todas as palavras acima surtiu efeito. Entenda que há muito mais no coração que qualquer conjuntos de letras aqui possam expressar. Palavras impõem limites. E é por isso mesmo que o texto é curto. (Acredite.) Não é possível descrever somente com símbolos inteligíveis a quase todos os homens e mulheres as peripécias da vida, bela e única, repleta da subjetividade e da incapacidade humana de compreensão, com um muro tão grande à frente. Muro este composto de sentimentos, sensações, valores, significados, conceitos e tudo o que há de essência de tudo o que há, natureza da alma.
O fim é só um começo. E o tempo continua a ser apenas uma face na água.

domingo, dezembro 05, 2010

A Autoconstrução


A ilustração foi criada a partir da união de elementos da teoria da psicologia da forma, a Gestalt, do filme “A Origem” (2010) e de aspectos pessoais que apresentassem uma temática ou elemento semelhante ao longa-metragem.
Seguindo uma cronologia acerca das ideias e pensamentos que acabaram por formar o desenho final, tomam-se como base primária os aspectos pessoais, depois, algumas características do filme e, por fim, alguns conceitos da Gestalt.
O “rosto-identidade” que se encontra no nível mais abaixo e mais escuro representa o fundo da mente; o passado que ninguém conhece; a perda da identidade em conflito com a confusão mental; o segredo individual e eterno, pois, mesmo que seja uma memória ruim, constrói e construiu aquele que se é no presente, logo, não é possível ser esquecido. É importante notar que esse elemento da ilustração é o que possui as menores proporções, a ausência da cor e a escuridão eminente, tudo isso por ser integrante daquele tipo de memória que é incômoda se lembrada a todo o momento; é o segredo mais profundo. Os olhos menos atentos enxergariam apenas a silhueta de um rosto, porém é mais do que isso: é a formação da identidade, é a procura por si mesmo e é o questionamento da realidade.
Subindo um nível, há um outro elemento bastante semelhante ao anterior. Dessa vez, pode-se perceber que a cor começa a aparecer, demonstrando uma vivacidade, ainda que mínima. Há, também, uma congruência à impressão digital do ser humano. Esta última denota a individualidade de cada ser, o reconhecimento da unidade perante a sociedade. Existe uma espécie de mancha na parte do “rosto-identidade” em que, numa face humana, estaria localizada a boca. Isso significa que a fala, como elemento de integração social e poder de escolha pela voz, está escondida e esquecida na memória.
Acima, observa-se o surgimento de outros “rostos-identidade”, assim como o de outra cor, o azul, que representa a serenidade e a calmaria. Esses novos personagens são como o apoio para a construção do ser central. São eles que poderão definir quem o protagonista será. A escuridão já não é tão grande, o que mostra que a memória ali representada não é de todo um segredo, uma vez que há a participação de outras “identidades” no cenário. A mancha escura que se encontra na parte superior do rosto se mostra como a ignorância, o “calar mental” de alguém que está se procurando na realidade em que está inserido.
Após o estágio anterior, o “rosto-identidade” central, protagonista da história que a ilustração conta, apresenta uma maior variedade de cores, ou seja, passou a conhecer outros e a ser incluso em uma realidade um pouco estranha, já que é nova. Os outros personagens (que apresentam problemas, como a ignorância e a falta de visão (mental, não física) do mundo) estão mais próximos, mais íntimos, mais “amigos”, isto é, participam mais da vida daquele ser: constroem, formam e trazem maiores conhecimentos (mais cores) a ele.
O topo da ilustração faz referência ao encontro com a realidade em que se vê, se sente e se conhece todas as cores. É a descoberta de si mesmo com o apoio imprescindível do outro, pois é na coletividade que se faz a individualidade. O homem é um animal social e, por assim ser, constrói-se a partir do conhecimento que lhe vem por intermédio de outrem. É exatamente isso que a ilustração mostra ao unir diversos elementos que se conectam: a memória, a identidade e a realidade.
Se unida aos temas abordados no filme “A Origem”, a ilustração traz certas semelhanças, como a memória que não se esquece (esposa do protagonista no filme), a busca da identidade (os personagens do filme muitas vezes desconhecem a si mesmos) e a compreensão da realidade (perde-se a noção, por diversas vezes, do que é real e do que é sonho durante o filme).
Quanto aos conceitos da Gestalt, alguns fundamentos estão presentes, como o princípio básico da psicologia da forma, em que "o inteiro é interpretado de maneira diferente que a soma de suas partes". Na ilustração, a camada superior indica o inteiro e gera uma significação, porém, se analisada separadamente, são apenas, um a um, “rostos-identidade” sem maior valor. Há, ainda, a lei do fechamento, em que nossa mente vê um objeto completo mesmo quando não há um. Os personagens possuem a silhueta de um rosto humano (imagina-se a face de alguém), mas, dentro desse contorno, existe a impressão digital característica do homem, ou seja, são vistas duas imagens ao mesmo tempo. Outra lei que pode ser identificada é a da proximidade: "elementos são agrupados de acordo com a distância a que se encontram uns dos outros". A ilustração, ao decorrer da ascensão, demonstra a aproximação que os elementos da extremidade passam a ter do elemento central, formando, segundo a ideia contida no todo, um só: as cores do protagonista.

Obs.: Em todas as representações do “rosto-identidade” central há bem ao centro, numa única linha, o preto. Este indica o mistério, o “eu” que nunca se mostra; é a mente e a personalidade em seu grau mais íntimo, que, talvez, nem o próprio ser conheça bem. É o universo dentro de cada um.

domingo, outubro 17, 2010

Apontamento


A minha alma partiu-se como um vaso vazio.

Caiu pela escada excessivamente abaixo.

Caiu das mãos da criada descuidada.

Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

Asneira? Impossível? Sei lá!

Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.

Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.

Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.

E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.

São tolerantes com ela.

O que era eu um vaso vazio?

Olham os cacos absurdamente conscientes,

Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.

Olham e sorriem.

Sorriem tolerantes à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.

Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.

A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?

Um caco.

E os deuses olham-no especialmente, pois não sabem por que ficou ali.


Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)

A Flor que És

A flor que és, não a que dás, eu quero.

Porque me negas o que te não peço.

Tempo há para negares

Depois de teres dado.

Flor, sê-me flor! Se te colher avaro

A mão da infausta esfinge, tu perene

Sombra errarás absurda,

Buscando o que não deste.


Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa)

sexta-feira, agosto 13, 2010

Mariazinha, o infinito

.

Aí está o infinito. Simplesmente representado. No entanto, possuidor de demasiados significados. Pode ser apenas um ponto, por exemplo. Pode ser o Universo, por outro exemplo. Pode ser você. Ou eu. Talvez seja o próprio infinito mesmo. Mas quem poderia definir algo tão subjetivo e inexato com meras palavras de um vocabulário simplório?
Ninguém.
Não existe definição para o infinito, pois ilimitado é. E aquilo que desconhece o limite não se concebe. Há quem ouse a interpretação, só que é um tiro no escuro, pode tomar qualquer direção e sentido. Ainda assim, ousado sendo, desejo significado - não definição. Para alguns passa a ter o valor do conhecimento; para outros, do amor. Amor como infinito. Amor, infinito. Conheço um desse tipo, que, por sinal, é bastante gentil. O mais curioso é que este mesmo infinito chegou a mim, ou eu cheguei a ele - ou ambas as opções - nos últimos momentos de um ciclo. Perto do fim e do começo. Um tanto quanto paradoxal, por isso a inequidade de um fenômeno assim. Um infinito único... só para mim.
Olho para o céu, vejo as luzes que guiam na escuridão. Elas brilham, pulsam, chegam a ter vida aos olhos dos mais sonhadores. O mais gratificante é poder observar uma obra enigmática quando existe alguém que a contempla com você, pois a descoberta do que está além da compreensão é simultânea. É khef.
Enquanto houver distância, a ligação entre duas almas se faz por uma representação do infinito. Fito o céu; fita o céu. Imagino; imagina. Sinto; sente. Aí eu passo a entender o que não há fim.
Voltando ao começo, no encontro de um ka com outro, sinto um mar de identificação se apossando de meu coração. Admiro o futuro em alguns segundos, analiso os acontecimentos, tiro conclusões e... gosto do que vejo. Amo a cena de atores imaginários. Por um instante, entro em contato com o infinito. E o que vejo é belo. É único. Interminável.
De tanta dificuldade em poder atribuir significação, desisto de tentar categorizar um conceito tão imaterial, desconhecido e variável. Passo a senti-lo e só assim compreendo: amo.
Livrando-me da noção chã, inteligível e palpável ao ser humano, apaixono-me pelo abstrato, pelo intangível e, de uma vez por todas, afirmo como expressão de fé: conheço o infinito. Conheço María das Graças de Araújo Lira, alguém que, como eu, desentende-se com a distância, pois acredita apenas no que sabe. E o que sabe infinito é.



quinta-feira, julho 08, 2010

A inconstância (e outras coisas)

Eu não consigo entender certas coisas. Muitas coisas, na verdade, assim como qualquer outra pessoa não compreende muitos dos seus problemas e de seus erros.
Às vezes o passado dá um tiro. Um tiro certeiro na cabeça. Entra na mente. Faz uma festinha por lá, mas logo sai. Não sem deixar sua inconveniente mensagem: "Ainda estou aqui. Apareço quando quero, e também quando não quero. Não há fim. Eu venho, e eu vou. Eu venho, e eu vou." A cabeça pesa, sim. O coração esvazia... só por um dia. Ou não. A inconstância dos sentimentos não é mais algo surpreendente, pelo menos para mim. Ora é uma forte emoção, ora é um simples apagão.
Procurei na literatura (e até na ciência) algo que me desse uma resposta definitiva para certas coisas, como a própria inconstância sentimental, à qual me referi logo agora que você lê. Ou "lê", sei lá. Tanto faz se você lê por gostar, ou lê só por ler, ou, ainda, lê só para cuidar da minha vida. Eu continuo escrevendo, até que um raio de motivo me faça parar.
Minto.
Importo-me, sim, se alguém lê - e deixa um comentário, de preferência (Oh, que arrogância...). Entretanto, não encontrei resposta satisfatória o bastante. Deparei-me, muitas vezes, com o tipo de solução provisória. Explicações e identificações que me bastam por um tempo definido. Não sei quanto tempo. Nunca sei.
Admito que seria parvoíce declarar que desenterrei uma definição para um problema como a inconstância. Percebi que, em certos campos da vida, não há solução eterna. Os problemas se desfiguram e se transformam em outro monstro, sucessivamente. Talvez pior, talvez melhor. Nunca se sabe. A inconstância está em todo lugar. Está aí, por exemplo. Ou não. Pois é, costuma ser bastante inconstante.
Ter inconstância no modo de vestir, tudo bem. Ser uma inconstância na própria vida, também tudo bem. É legal e admiro quem está sempre se renovando e alternando seus gostos, afinal de contas, é importante conhecer o que é diferente. Só que vá ser assim no que se refere ao afeto com outras pessoas. Aí parou, não existe mais aquela vontade de mudar, de experimentar o estranho, o incomum. Estabilidade, só se deseja estabilidade. Assim... para sempre. Uma pena que quando se trata de sentimentos, não há escolha. É um papo de si próprio consigo mesmo.
Não devo dizer que é ruim ter que mudar o carinho pelas pessoas - neste caso, deixar de tê-lo -, mas é que quando o afeto por um alguém se torna grande, a última coisa que se quer é mudança. Imagine só perder um amigo ou um grande amor por ser inconstante. E o pior de tudo é não compreender. É como utilizar o porquê, mas não saber o porquê de ser assim. Não, é pior. Ninguém fica tão aflito por errar gramaticalmente.
Mesmo assim, a busca não se torna cansativa. Na verdade, dá mais prazer ainda descobrir que há um desafio tão grande para ser desvendado, talvez, na individualidade. E, diabos, a felicidade me consumirá se algum dia chegar a experimentar o júbilo de entender o porquê de certas coisas... como a própria inconstância.
Quem se dá por vencido por não ter nem sequer uma pista do que ocorre consigo mesmo não é merecedor da emoção inconcebível de encontrar uma das partes constituintes do complexo, gigantesco e interminável quebra-cabeça humano. Se a descoberta for em alma, em um momento de solidão reflexiva, será por causa da união; será por causa de outro alguém. Não há como não ser. Não há como escapar da própria natureza. O ser humano é um animal social.
Talvez exista um motivo para haver tantas incompreensões. Talvez tudo faça parte de "um plano maior", mesmo que não consiga me convencer de que isso possa ser verdade. Talvez tudo seja coincidência, o que, em certos casos, também não consegue descer pela minha garganta.
Talvez seja o ka*.
O ka é uma roda que gira e, não importa o quê, não para. É, metaforicamente, um tornado que destrói tudo o que estiver em seu caminho. É o destino. Mas é mais que isso. A única coisa que o fará dar um tempo é o próprio tempo. Porém, a extinção deste. Sem tempo, não há existência.
Consideram-se inúmeras interpretações para algo como o ka, e acredito, eu, que o próprio autor dessa palavra e desse significado não o descreve bem, utilizando, muitas vezes, metáforas para explicá-lo, porque quis que o ka fosse interpretado, e não definido. Não se pode dar definição ao ka. Gosto do ka.
Talvez não consiga capturar os significados de certas coisas, porque as acepções dessas mesmas certas coisas estejam em buscar seus valores, e não defini-las, assim como é com o ka: a interpretação, não a definição. Talvez seja esse o significado da vida.
Enfim, é uma conversa consigo mesmo - ou a mensagem desse texto - que faz certos problemas assumirem seus sentidos. É só interpretar. Ainda que a interpretação seja errônea, um novo significado surgirá. Até para o erro.

É, a felicidade me consumiu por alguns momentos.

*ka é um termo citado na obra "A Torre Negra", de Stephen King.

terça-feira, julho 06, 2010

Equilíbrio

Um pouco mais para a esquerda. Não, não! Para aí, deixa eu ver! Hm, vai só um "tiquinho" para a direita. Aí! Isso!.. Espera aí... ainda não está bom. O que falta, querido?
Falta amor, querida, falta amor...

sexta-feira, junho 18, 2010

Crônica: O Primeiro Assalto


Já há uns bons seis anos pratico uma arte marcial, o kung fu, que, por sinal, significa “trabalho árduo” do corpo, da mente, coisas assim. Muitos pensam naquele estereótipo de que sei bater em todo mundo, sei lidar com qualquer situação perigosa, sei isso, sei aquilo, sei tudo da violência física. Até o cansaço se cansou, porque me cansei de incansavelmente explicar que não é bem esse o caso. Na verdade não é nem um pouco esse o caso. Arte marcial que é arte marcial não serve para agressão. Olha eu começando a explicar novamente... disse que era incansavelmente? Pois bem, agora cansei.
Enfim, numa bela tarde de um sábado ou domingo, não lembro bem, voltávamos eu e meu irmão de um campeonato lá no Ginásio Mauro Pinheiro, no Ibirapuera. Caminhávamos tranquilamente, por uma avenida, em direção à estação Paraíso do Metrô. Eu degustando um sorvete, ele confabulando comigo.
Note bem, estávamos com mochilas e armas, facão, bastão, unhas, dentes, quando um sujeito de aspectos delinquentes se aproximou e nos abordou com a seguinte frase: “Ô, to com uma faca aqui, não corre, senão te furo.” Enquanto isso, meu irmão sorrateiramente se afastou e fez um gesto meio que incompreensível para seguirmos reto... eu acho, pois o tal indivíduo não tinha faca alguma... eu acho. Sim, ele me deixou só com o cara da suposta faca e também com uma inevitável falta de ação. Vamos à luta.

(– E aí, cadê o
kung fu, meu? Vai, arrebenta o cara!)
(– Ei, ei, também sou gente, não uma máquina programada para lutar. E é minha primeira vez numa situação dessas, tem que ir com calminha, gatinho.)

Aguardando a imaginária facada, permaneço estático, ainda inativo, estou em “loading...”. O sujeito fora da Lei olha para minha mão direita, deslumbra-se e:


– Vai... ... ... passa esse sorvete aí.


É o poder da mente (e da sorte). Eu disse que kung fu não é pancadaria.

quarta-feira, junho 09, 2010

Fim de quem ama


Não há fim para quem ama. Há sempre um rastro perseguindo, uma cicatriz que nunca desaparecerá. Uma dor, uma mágoa e até uma risada. Quem ama se condena e jura votos inconscientes de tristeza. É uma promessa de felicidade sem medidas de consequências.
Assim que aparece à porta do coração uma gota de dúvida, o castelo de amores parece que começa a desabar. Esfacela-se aos poucos, curtindo a agonia de cada instante de seu desmoronamento, como se fosse puro masoquismo. O mundo diverge, some ao olho nu. Resta o ponto de interrogação. Um momento. Outro momento. Mais um momento. Nada. Cadê seu par perfeito, pergunta? O que segue à indagação é o escuro. Ninguém entende o porquê.
Cabe a quem duvida encontrar a saída. Não há motivos para desespero, pois sempre haverá uma porta para a luz. Mesmo assim, encontram-se razões para punição. Punição: dói pensar, dói esperar, dói agir. Não há como fugir da dor. Então que venha, e venha com tudo, porque só assim o aprendizado que chega de bagagem não é esquecido.
Que seja hoje, talvez amanhã, quem sabe outro dia, o amor espera pela certeza e não se cansa. Bem, uma hora se cansa. Enfraquece, torna-se raro, rarefeito, entra na desistência, avesso à esperança, deita na cama. Espera, dorme, acorda com um susto e logo descobre não ser verdadeiro. Chega a dúvida, torna-o transparente e menos complacente. Questiona a identidade, corta suas pernas e ele cai. Cai, cai, cai. Cai na memória. O sofrimento torna-se cura e toma conta, acariciando as entranhas de ambas as partes do coração, já que está partido. O partido demora a aquiescer. E como demora, Deus do céu! Às vezes dá vontade de até apagar a memória, papel do tempo. Porém, como um brilho eterno de uma mente sem lembranças, qualquer coisinha, um cheiro, uma fotografia, um texto, uma palavra, uma música, uma cartinha e até o vazio da mente traz à tona a memória do amor perdido ou renegado. Cheirar, ver, ler, ouvir e pôr em ausência o pensamento causam disritmia no coração e, talvez, um aperto na garganta com um comichão nos olhos. Quanta sinestesia.
A efemeridade dá as caras e traz o tempo num piscar de olhos. A dúvida e a dor que pareceram perdurar por anos agora transitam na mente como imagens de instantes. Os períodos mais marcantes vão sendo guardados na caixinha sinestésica, para que num momento as sensações mostrem que nada se cria, nada se perde; tudo se transforma. O amor em lembrança.
Fim de quem ama: a persistência da memória.

quarta-feira, maio 12, 2010

Do começo ao fim — ciclo


Este é o fim.
Não há começo. Por isso, este é o fim ou o começo de um ciclo que tem fim que, no entanto, leva a outro começo.
A morte não é o fim, mas apenas uma transição. A transição é o começo de um ciclo e, por isso, também o fim de outro. O fim é também o começo, o começo de um novo ciclo, por isso tem história. A história é formada de começo e fim, assim cíclica. Logo, não acaba. O acabar é um fim, portanto tem também um início. O início de uma história é marcado por uma expectativa de como será o fim. Essa expectativa gira em torno do desenrolar da história. É, pois, formada de começo e fim, como tudo e nada. Preocupa-se, na maioria das vezes, com o resultado, que também é um término. A preocupação é um tipo de expectativa, porque espera-se algo de outro algo, obviamente. Em todos os casos, algo bom (de interesse individual) é esperado, então a esperança é, também, realização de desejos. Os desejos, por sua vez, determinam os caminhos de certas ações - todas com expectativas -, estas tomadas por seres vivos. Os seres vivos são vivos porque têm vida, é claro. A vida, segundo a Biologia, é um complexo de reações bioquímicas, sequenciadas, mediadas e ordenadas por enzimas que controlam a velocidade das reações, e tem fim. Ou uma transitoriedade, como preferir. Todo tipo de vida possui uma história. A história não tem vida, segundo a Biologia, sendo apenas uma acepção criada por seres humanos, como eu e você. Eu escrevi, você lê. Creio, então, que foi criada uma comunicação entre nós, caso você tenha entendido. Ligando as informações anteriores, crer é acreditar, por isso, pode ser um desejo, logo esperança e, assim, expectativa. Esta última, como expressa anteriormente, normalmente é uma preocupação em saber se algo bom ou ruim está por vir. A única certeza de uma vida, como a que você tem, é a morte, ou seja, o fim. Se a finalidade de uma expectativa é a esperança de algo bom, logicamente assume-se que o fim da vida é, da mesma forma, a esperança de algo bom, pois o fim é aguardado e, por isso, é expectativa. A confusão, assim como a que aqui existe, é causada pelo excesso - ou não - de informações, muitas vezes repetidas, que são difíceis de se conectar. Se a confusão não pode ser resolvida, procura-se uma válvula de escape, que pode ser o fim. Esta é a minha saída: o fim. Dói te libertar.

terça-feira, maio 04, 2010

Caminhos duvidosos


Uma faca no coração pode dividir amores. Uma barreira pode dividir amores. De uma forma ou de outra, há divisão e nada mais importa.
Quando o coração resolve tomar caminhos distintos do planejado, surge a dúvida. Dúvida, dúvida, dúvida. Mais dúvida. Escolher é mesmo um pé no saco. Pé no saco dói. Ô se dói.
É sim ou não. Simplesmente uma das duas respostas, mas não dá. Não é possível nem escolher um meio-termo!
O que mais gera dúvida são os acontecimentos vindouros, pois, dependendo da escolha, em algum momento a água de um dos rios chegará à foz e lá encontrará a água do outro rio. Aí vai ser um choque, um choque térmico. Um estará quentinho, bem aninhado no coração, outro estará frio, provavelmente começando a arder em chamas quando ocorrer um equilíbrio térmico. Então: dúvida e dor. É, mais umas e de novo.
Era apenas um caminho, certeza. São dois ou mais caminhos, talvez. O que sei? Nada.
Quanto mais o tempo passa, mais doente é a sensação. A enfermidade toma conta do coração, dos pensamentos, das ações, das vontades. A virose penetrou pelo olhar, pelas palavras, pela necessidade de ensinar a cura. Transgrediu as barreiras naturais do corpo, estremeceu as passagens secretas da dor, cravou-se no coração. Não sai. Não quer sair de jeito algum. Precisa e não precisa ser curada. Quer tempo. É sempre o tempo de qualquer forma.
Da dúvida surge a lágrima, tanto interior quanto exterior. Escorre lentamente, queimando a face com seu ardor febril, até que se sinta o gosto da tristeza ou, também, da felicidade, pois a lágrima desconhece o motivo de sua chamada. É escrava dos sentimentos. Vem quando é necessário. Aquele gosto é tão sinestésico. Enquanto é sentido no paladar, é também no coração, trazendo em sua conclusão a reflexão com corrosão, quando é interna, e a cura com magia, quando é externa - adoro as lágrimas.
Há dúvida até nos movimentos. Os pensamentos fervem na hora da locomoção para que seja executada a correta, porém o turbilhão de sinais elétricos da rede nervosa é tão estupefaciente que tudo trava e qualquer um dos bilhões de caminhos possíveis é tomado por essa eletricidade indecisa. É meio que um curto-circuito. Consequentemente, a autorreprovação silenciosa vem junto, já que o tal movimento sempre ocorre do modo indesejado. Essa é a timidez.
Tantos fatores juntos, e, ainda assim, tão pouco se sabe. Chegará uma hora em que a escolha deverá ser feita, e, assim, o destino terá de correr por seus insólitos caminhos. A dor virá, com certeza. Na verdade, já vem, pois a indecisão é uma morte lenta. Corrói a pureza e as determinações do coração; acaba num poço de lágrimas; destrói planos.
Enquanto o momento certo não chega, espero. Espero a dor chegar e a dúvida sanar, querido tempo.

quinta-feira, abril 22, 2010

Breve descrição de um verdadeiro amor

"O verdadeiro amor, como qualquer outra droga forte que cause dependência, não tem graça. Assim que a fase do encontro e descoberta se encerra, os beijos se tornam surrados e as carícias cansativas... exceto, é claro, para aqueles que compartilham os beijos, que dão e recebem as carícias enquanto cada som e cada cor do mundo parecem se aprofundar e brilhar em volta deles. Como acontece com qualquer outra droga forte, o primeiro amor verdadeiro só é realmente interessante para aqueles que se tornaram seus prisioneiros.
E como acontece com qualquer outra droga forte que cause dependência, o primeiro amor verdadeiro é perigoso."

Trecho retirado da obra "A Torre Negra - Vol. IV - Mago e Vidro", de Stephen King.
PARTE TRÊS: VENHA, COLHEITA; Capítulo 1: Sob a Lua da Caçadora; 1. p. 423.

Admirável foto nova

É engraçado olhar fotos de hoje em dia e se lembrar de tempos passados. Na verdade, não há graça, mas maravilha. É tão admirável essa sensação.
Maravilha. Maravilha por olhar uma imagem. Como o tempo passa, meus caros, como passa...

sexta-feira, abril 16, 2010

Um vazio completo

LOST
Mais uma sensação no cardápio.
Primeiro, busca-se o cheio, mas de tanto buscar e encher, fica vazio. É uma busca sem sentido. É uma busca sem propósito. Queria era poder ter aquela sensação, mas só a parte completa. Precisaria, então, viver a situação a que assisto... ou imagino.
Um pedaço falta; sou eu? Parece que se pudesse lá estar, viveria num mar de emoções, pois é exatamente isto que procuro naquele lugar de x. Busco amor, paixão, sofrimento, júbilo, destino, livre-arbítrio, raiva, acerto, erro, lágrimas, recomeço; busco uma vida. Formo um uno com a imagem que resplandece em minha mente, em minha visão. Só que quando acaba, minha busca está incompleta; meu ser se corrompe; as lágrima vêm, porque não encontro o caminho. Estou perdido.
Nas horas de sufoco, peço pelas lágrimas. Desejo-as tanto que parece que perco a noção. Porém, tenho conhecimento do que ocorre. Desde a primeira vez que conheci essa emoção, entendo o que acontece. Entendo sim. E é tão bom; recomendo.
Há tanta aventura e mistério que é impossível não gostar de lá. O sofrimento não me causa medo, pois é uma doença tão boa. Sempre sei onde vai terminar e é isso que impulsiona meu coração a seguir pelo caminho mais difícil. Os obstáculos são como um remédio muito - mas muito mesmo - amargo. É horrível quando se toma, mas passado o tempo, descobre-se o quanto foi bom passar pelo inferno. Um anjo me tira de lá, coloca-me na estrada da realidade novamente. Estou perdido - mais uma vez.
Os minutos passam tão rápido quando sou eu e aquela sensação. Olho para o relógio, são 08:15, desvio o olhar, tomo mais uma dose de busca incompreensível, olho novamente: 16:08. Penso comigo "Não acaba não, cara, por favor." Engulo mais enfermidade do coração, acredito que vai terminar, mas suplico que não, e olho: 38:04. Agradeço pelos últimos momentos, mas com ódio e amor de que o fim será o mesmo de sempre, a mesma sensação de sempre. Fim. Olho de novo: 42:23. Te vejo em outra vida, irmão.

A boca aberta.

Um mar nos olhos.

O coração doendo.

Reflexão.

Um sorriso.

Um riso pelo simples.

Brisa.

O anjo me pegou. Sei de novo: estou perdido.

terça-feira, abril 06, 2010

Tempos e sonhos

A persistência da memória, por Salvador Dalí


Descobri numa dessas andanças da vida um significado merecedor de aplausos. Mas quem aplaude significados? Pois é, ninguém. Pessoas são aplaudidas, principalmente aquelas que têm um grande valor para a sociedade, certo? Claro que não! Quem realmente merece é esquecido e jogado nas profundezas de uma lata de lixo. Venerados são os inúteis que permanecem por pouco tempo no "hall da fama", como sempre. Apenas sobrevivem ao tempo os que não são aplaudidos pela grande maioria, os estranhos no ninho. Sonhadores, eles foram.
Sonhos, mas não aquele sonho do qual despertamos. É aquele que acontece enquanto estamos acordados (ou não), assistindo ao passar do tempo, e que cada vez chega mais perto, parecendo até com uma pitada de realidade. Sonhos estão no futuro, bem do jeito que vivemos, nunca no presente, não é verdade? Qualquer um mora no passado ou no futuro. Ou em ambos. No passado, sempre revivendo as saudades, as perdas, as lembranças; no futuro, bancando o andarilho do desconhecido vindouro, assim construindo pontes entre o que está acontecendo e o que se quer que aconteça - uma ponte fácil de se cruzar; basta só um pensamento.
Ah, isso tudo no presente! É, não podemos esquecer de nosso companheiro oculto e inexistente, afinal, está sempre conosco, mas não sabemos em que lugar nem se realmente existe. Presente? Cadê você?
Se eu pergunto o que é o presente, você simplesmente poderia, numa hipótese muito especial e rara, claro, dizer que é o agora. Só que o agora já passou e de novo chego lá e pergunto "Presente, cadê tu, meu filho?" O presente é uma linha transparente; só acreditando para enxergar.
Futuro, lá estão os sonhos, tão importantes na jornada biológica de um ser humano, já que motivam a continuidade do complexo de reações bioquímicas, sequenciadas, mediadas e ordenadas por enzimas que controlam a velocidade das reações, ou seja, da vida, para aqueles leigos como eu. Não é preciso constatar quais são os sonhos, pois o importante é possui-los. Sem onirismo o homem vive no presente, e o presente inexiste (ou não), como bem foi expresso. Logo, ser do presente é ser morto.
Descobri o valor de um sonho: vida. Aplausos.

sexta-feira, março 12, 2010

Sobre ter 16 anos

É uma mudança. Não importa se é para o bem ou para o mal, é apenas uma mudança. O que pensava estar certo é errado e o que pensava estar errado é certo, mas nem tudo. Uma percepção social, diria, do que devo ser e do que deveria ser. Só que há o "quero" e o "querem" também. Eu devo ser o que querem, assim na sociedade, e eu deveria ser o que quero, assim na individualidade. O fato de poder escolher, por mais justo que seja, é cruel. A verdade é cruel.

Lembro-me do tempo em que achava que tudo estava onde deveria estar, do tempo de pomposa honra à minha pessoa, do tempo de certezas - que acabaram por se tornar incertezas - e do tempo em que o destino me levava como uma criança em seu colo. Não precisava de responsabilidades, nem da imposição tenebrosa do futuro, muito menos de escolhas. A vida seguia por mim e sem mim.
Recordo-me, ainda, da indiferença quanto à felicidade; ela existia e não me preocupava se havia a possibilidade de tão especial sentimento ir embora numa carruagem do inferno. Eu não sabia que poderia ir embora. Só que um dia ela se foi. Até a felicidade é infeliz. Rogava para que voltasse, mas não percebia que não existia essa de ir e retornar. Ela estava; eu não enxergava; e como um sopro de ar para um defunto, parecia que a grandeza da felicidade finalmente entrava em minha concepção quando a vi - senti-a, na verdade - novamente. Como bem dizem, "você tem que perder para entender o valor", é assim que é. Felicidade tem um significado e é uma acepção tão frágil que causa imenso sofrimento e desespero quando perde seu sentido.

Aprendi a verdade; a verdade que não existe; a verdade verdadeira, a relativa. Não há absolutismo nesse mundo tão vasto mas tão pequeno. Tudo é uma cópia inovadora de outra coisa. "Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma", segundo Lavoisier e segundo uma verdade - não-verdadeira para alguns - que muitos absorvem para si numa vida.
A verdade, às vezes, é exatamente como um soco na cara. Dói tanto, mas tanto quando encontra seu destino, porém, com o tempo, a sensação desgraçada passa. (A dor é passageira, assim como tudo, pois nada é para sempre - fixei isto.) Em 16 anos, incontáveis verdades aparecem e desaparecem, como num passe de mágica, e parece que cada vez mais uma fortaleza se forma ao redor das verdades mais plausíveis, até que seja difícil a compenetração de influências exteriores - somente aquelas assumidas pela consciência como ruins.
Ah, é importante ressaltar o tipo de pensamento que se tem quando é mais novo. Para alguém de, por exemplo, 13 anos, existe verdade absoluta. É complexo demais explanar o total significado desse termo, principalmente da forma que o abordo, porque misturo sentimentos, consciência e inconsciência nessa definição. Meus pensamentos teriam de ser registrados nas sucessões inconcebíveis em que acontecem, o que sabemos ser impossível. Mas, voltando ao que importa, alguém de 13 anos (ou 12, ou 14), em sua introdução à adolescência, passa por uma ecótone, ecologicamente falando, uma região de transição tensa, de extrema revolta e competição para ser o (a) melhor. O mais incrível é que mesmo fazendo as maiores merdas que algum ser vivo poderia presenciar, um recém-adolescente crê, extasiado, em sua ação como a passível de maior verdade. Tudo bem, eu passei por isso, qualquer um passa, e eu precisava registrar que adolescentes são idiotas. Eu sou, você é, todo mundo é em algum momento.
A sensação é complicada, admito. Quando se tem essa idade de 13 anos, não se percebe - e não culpo ninguém por isso - a vida como ela é, cheia de reviravoltas, triste, alegre, cíclica. Só que chega um belo dia, no qual, após alguns anos - talvez 3 ou 4 -, uma certa mudança vem. O mundo muda. A vida muda. As pessoas mudam. As pessoas mudam. As pessoas mudam e nem percebem; e as pessoas mudam por que querem - obviamente a segunda é muito mais efetiva, afinal, só se pode completamente fazer algo quando se entende esse algo, como zombar de alguém. - Entendendo-se o problema, entende-se a mudança. Nesse momento, formado por segundos, minutos, horas, dias e meses, a tolice passada é revelada.
Pense numa lembrança; essa é a sensação, mas não toda. Imagine agora que essa lembrança te faz pensar no presente e, provavelmente, no futuro e que toda essa recordação faz com que você descubra o quanto era imbecil. O passado é, muitas vezes, imbecil. Essa é a sensação. Entenda que alguém de 13 anos pensa que era idiota aos seus 9, 10 anos, mas nunca, nunca admite que é idiota (e nem que errou). Então chega os 16 e você novamente pensa "Puxa... como eu era idiota!" e assim sucessivamente. Há um detalhe nessa parte. Quando se tem 16 anos, espera-se que já exista uma certa maturidade para encarar os fatos e as situações adversas - o que não se tem aos 13 -, logo um adolescente dessa idade pode, sim, admitir ser idiota em determinadas ações e concepções, pois já sabe parte do processo social e individual. Aí é que está a enorme diferença. Assumir os erros é sinal de algum crescimento. Consertá-los, então, nem se fala!

Uma atual memória (e sensação) é a de separação. "Está chegando um novo ciclo", canso de ouvir isto. Meus tímpanos já decoraram a forma que têm que se mover até. Quando tal repetição acontece frequentemente, é óbvio que algo grande virá. Outra mudança, talvez, já que sou um ser mutante. A sensação é de uma tristeza misturada com angústia, expectativa e ansiedade. Casualmente, uma certa felicidade também, pois a vontade de descobrir o futuro, unida à imaginação, tão poderosa como é, esboça um tímido sorriso na face e no coração (este último sente o que virá). O que acontece é que este é o fim dos tempos escolares como os conheço. Cada um de meus amigos e colegas irá seguir seu caminho e tenho certeza de que o contato com eles esvanecerá dia após dia, até que o afeto vire apenas lembrança. Alguns continuarão presentes em minha vida, mas não tanto. Como foi dito, é um novo ciclo; isso, de certo modo, me incomoda.

Agora, sobre ter 16 anos. O poderio do tempo é incrível e por assim ser, admiro-o. Existe uma grande diferença entre cada ano de idade, existe sim. Creio que, na verdade, é a cada fase da vida que se sente uma mudança. Olhar para trás e ver a pequena criança que houve, cheia de estabilidade, depois um adolescente iniciante, cheio de instabilidade, e agora alguém que caminha para o desconhecido, aprendendo a controlar si mesmo, estabelecer conhecimento e opinião com muito mais facilidade, pois passa a se encontrar, finalmente, num globo pulsante de semelhantes, é saber parte do que é a vida. Pena tenho daqueles que nem ligam para isso.
Existe uma certa mistura extravagante de sensações na felicidade e na descoberta desse tempo. Desvenda-se a errática da vida, tanto no passado - pretérito é imperfeito e mesmo a Língua Portuguesa conseguiu defini-lo - quanto mesmo no presente. É tão bom errar e, então, saber que errou. Um êxtase profundo de autoaprendizagem, diria que é, pois mesmo que seja indefinidamente lacerante, compreender os caminhos que levam a um equívoco é aprender mais de si mesmo.
Aprender é demais. O que normalmente falta em alguns é a vontade de possuir o saber.
Isso - pelo menos comigo - é ter ideia clara e sucinta do 16º ano de vivência.
O gosto pela verdade, qualquer que seja ela, para mim, é meus 16 anos.

Obs.: É importante ressaltar que isso não serve para todos. Toda regra tem sua exceção.

"Soquei a parede por estar errado, louvei Deus por estar certo."

quinta-feira, março 04, 2010

O homem que perdera as lágrimas

"Onde estão vocês?", ele se perguntara.

E então chorou. Pranto da sinceridade era o significado em meio às tantas diversidades emocionais presentes em seu arraigado coração que lutava por expressá-las tão veemente, como desejara nos mais recônditos cantos de sua mente. Embora estivesse farto de suportá-la, precisou que a tristeza viesse, dando significado à tão indesejada cena de separação. Assim, com dificuldade, as lágrimas novamente apareciam formando pequenos riachos traçados em seu rosto que tanto as conhecia. Um choro choroso, um choro comprido, um choro destemido.
A mão que o segurava no relacionamento amoroso se soltou, e então a vida teve de seguir, mas com a responsabilidade de arcar com as consequências ainda desconhecidas do passado. Foi-se, andou pelas terras da paixão em outro contexto e mais uma vez caíra do precipício, também em outro contexto. A ferida incrustada em seu coração fechou-se, assim como as portas do fluxo sentimental. O inconsciente da mente fazia sua parte intuitiva de reprimir as formas de carinho, as quais refletiam as cenas de desespero e dor vivenciadas previamente. Estúpido foi o inconsciente, que jogava por conta própria o jogo da vida sem ao menos ler as regras, nem sequer a primeira: "CUIDADO! FRÁGIL!".
Com o excesso de estupor, sua mente sofreu imensas pressões por ter errado e não ter feito nada para corrigir pelo menos uma das falhas. O tempo se mostrou hábil e a redenção veio, mas apenas uma certa parcela, pois os incontáveis caminhos que tomaram suas decisões e indecisões - estas tomadas pelo inconsciente -, levaram-no à exuberância do desconhecimento do próprio eu. Era como se tivesse perdido parte de si, parte de sua essência, e agora, após a instância do apagão, procurasse, no escuro, reaver aquelas formas de carinho e importância que há tempos perdera mas não sabia.
Por se encontrar em meio às trevas da adolescência, pressões tanto pessoais como externas vieram e revelaram a real existência dos problemas pertinentes à escuridão em que se encontrava. Os testes de seus estudos cada vez mais aprochegavam-se e as pressões que já sofria na infância para se equiparar àqueles que o rodeavam, juntamente às escolares, que exigiam a constante prova de sua insuperabilidade, tornaram-no incapaz de lidar com situações que necessitavam de suas bloqueadas emoções. Não somente a incessante provação de intelectualidade o incomodava, mas também os problemas que surgiram após seus erros, especialmente aqueles ligados às relações de amizade, que possuíra um dia de forma tão íntima.
A tristeza acompanhava seus movimentos e assim veio a morte de seu fiel amigo felino para preencher mais um tópico nesse quadro de pressões, pois as lágrimas que derramara uma vez com tanta facilidade, falhavam em vir numa outra ocasião em que era esperada. Sua consciência sabia que algo estava errado no coração; gelo rodeava aquela região. Incapaz de compreender a fala de suas emoções, engoliu-as com amargura e assim fez com determinadas outras que não deixavam de surgir ao longo dos dias. Soube que não estava só nessa jornada da melancolia, e vendo seus semelhantes da mesma forma, tentou alegrá-los com bobeiras de todo tipo. Sorriam claramente, porém, logo depois, murchavam o tão belo sorriso involuntário, não percebendo o quão eram importantes para este bobo da corte.
Indelével, o passado não deixava de persegui-lo, trazendo à tona as mais mistas pressões a seu presente, mas, disposto e sabendo que nada é para sempre, continuou o caminho tortuoso e imprevisível que já estava escrito.
Soube, num de seus devaneios, o que ocorria: era um homem que perdera as lágrimas. Entretanto, como um cego em sua eterna escuridão, dispôs-se a aprender... aprender novamente a chorar. E então chorou.